DEFENSORA PROPÕE CRIAÇÃO DA SECRETARIA ESTADUAL DA MULHER EM SEMINÁRIO QUE TRATOU DE ‘VIOLÊNCIA DE GÊNERO’ NO ESTADO
Durante o painel “Violência de gênero e violência
psicológica”, parte da programação do Seminário “Violência Doméstica na
perspectiva de gênero e políticas públicas”, a defensora pública Rosana Leite
pediu para que o Governo do Estado de Mato Grosso crie uma Secretaria Estadual
da Mulher.
Proponho um encaminhamento para este evento: a necessidade
de criar uma Secretaria da Mulher em Mato Grosso, dedicada a enfrentar as
estatísticas de violência contra as mulheres. É fundamental que todos os
poderes e instituições trabalhem juntos para proteger os direitos humanos das
mulheres em nosso estado”, declarou.
Hoje Mato Grosso conta com apenas uma Superintendência de
Política da Mulher, que foi anunciada em janeiro deste ano. O estado é
recordista em número de feminicídios no país. Somente em 2023, 46 mulheres
foram assassinadas e até agora outras 8 já perderam a vida pelo simples fato de
serem mulheres.
“As lutas feministas, inicialmente movimentadas por mulheres
brancas com acesso à educação e à fala, hoje devem abranger a multiplicidade
feminina, incluindo mulheres negras, indígenas e LGBTQIAPN+. Sem considerar
todas essas mulheres, não compreendemos plenamente o empoderamento e os
direitos humanos femininos. A violência de gênero atinge todas as mulheres,
independentemente de sua condição, e muitas vezes vem acompanhada de
simbolismos que tornam a violência simbólica contra as mulheres invisível”, salientou.
O painel, que foi mediado pela juíza titula da 1ª Vara
Especializada de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de
Cuiabá, Ana Graziela Vaz Campos Alves Corrêa, ainda contou com a participação
da palestrante Kelly Arfux e da defensora pública de Mato Grosso, Tânia Regina
de Matos.
Violência psicológica
Uma pesquisa realizada pelo Comitê para análise dos
feminicídios de Mato Grosso mostrou que 86,67% das vítimas que participaram do
levantamento sofreram violência psicológica. Ao todo foram estudados 15 casos,
ocorridos entre janeiro e maio de 2023.
Segundo a defensora pública Tânia Regina de Matos, a
violência psicológica é uma das primeiras violências praticadas contra a
mulher, seguindo-se da violência moral. “Esta última inicia-se com
verbalizações depreciativas, xingamentos e indiferença, preparando o terreno
para uma escalada de abusos”, esclareceu.
A Lei 14.188, de 28 de julho de 2021, define a violência
psicológica como o ato de causar dano emocional à mulher, afetando seu
desenvolvimento pleno por meio de ameaças, constrangimentos, humilhações,
manipulações, isolamento, chantagem, ridicularização e limitação do direito de
ir e vir, exemplificando situações como a proibição de visitar familiares,
estudar à noite ou trabalhar fora.
“A violência psicológica, agora reconhecida pela legislação
brasileira, enfatiza que o sofrimento causado à mulher não necessita de um
resultado específico para ser considerado violência. É suficiente que haja a
intenção de causar dano psicológico, o que reitera a importância da palavra da
mulher no processo judicial. Refletir sobre a violência psicológica é refletir
sobre o autoritarismo masculino sobre a mulher. É necessário compreender a
amplitude dessa violência e como ela se manifesta em diversos contextos, não
apenas dentro de casa. A cultura do estupro, por exemplo, continua a afetar as
mulheres de maneiras devastadoras, muitas vezes normalizada até mesmo dentro do
lar”, ressaltou Rosana Leite.
Aproveitando o espaço fértil para o debate, a defensora
Tânia Regina de Matos destacou que o problema da violência doméstica não se
resolverá apenas com aumento de penas previstas na legislação. Envolvida com
essa temática há 14 anos e estudiosa da violência doméstica, a defensora aponta
que a educação é uma importante ferramenta para avançar na redução da
violência.
“É crucial trabalhar em várias frentes, começando pela
educação e compreendendo a relação das mulheres com seus parceiros não como uma
necessidade, mas como o desejo de compartilhar a vida com alguém que as
respeite e valorize”.
E a violência doméstica traz inúmeras consequências. Segundo
a defensora pública Rosana Leite, observando os anos em que está atuando no
cargo público, grande parte das pessoas em situação prisional foram vítimas de
violência doméstica na infância. “Essa constatação reforça a necessidade de
enfrentar a violência contra as mulheres em todas as suas formas, incluindo a
psicológica, que é tão prejudicial quanto as outras formas de violência”.
“’Os lírios não nascem das leis’, essa fala de Carlos
Drummond de Andrade enfatiza a necessidade de transformações sociais profundas
para erradicar a violência contra as mulheres”, acrescentou Tânia Regina de
Matos.
Reconhecendo narcisistas
Outra expositora do painel foi a palestrante Kelly Arfux,
que falou sobre como é possível reconhecer um narcisista e explorou a forma
como ele atua para minar a autoconfiança da vítima. O narcisismo é considerado
uma porta de entrada para a violência doméstica.
O transtorno de personalidade narcisista é uma patologia
mental caracterizada por um padrão de grandiosidade, uma necessidade de
admiração e uma falta de empatia. O narcisista grandioso é um "alpinista
social", não escolhendo suas vítimas aleatoriamente, mas sim, por sua
capacidade de identificar vulnerabilidades. São mestres em manipular, seduzir e
devastar a autoestima de suas vítimas, sem jamais sentir culpa por suas ações.
A grandiosidade, na verdade, mascara baixo autoestima, a
necessidade de ser admirado. “Um narcisista pode originar-se de um ambiente de
abuso ou de extrema permissividade na infância, levando a uma adultez incapaz
de lidar com rejeição ou crítica”, explicitou a palestrante.
A vítima do narcisista pode chegar ao suicídio, uma vez que
a abordagem adotada pelo “algoz” implica em um tratamento de silêncio, na
manipulação da realidade, na utilização de terceiros para difamar a vítima, na
projeção das próprias falhas do narcisista em seu alvo, além da triangulação
para criar competição e insegurança. Todas essas “ferramentas” são utilizadas
para desestabilizar emocionalmente a vítima, incorrendo na violência
psicológica.
Entender a forma como age o narcisista ajuda a vítima a recuperar a autoestima e identidade. É preciso deixar claro que mulheres alvo de narcisistas costumam apresentar mudança brusca de comportamento, episódios de depressão, ansiedade, memórias confusas e uma constante sensação de defesa.
O Seminário “Violência Doméstica na perspectiva de gênero e
políticas públicas” foi uma realização da Assembleia Legislativa em parceria
com a Academia Brasileira de Formação e Pesquisa.
Jornalistas: Mauro Camargo/ Michely Figueiredo
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1 - Secretária de Cidadania Explana Políticas Públicas em Defesa da Mulher
2 - Eliminar Distância entre Legislação e Realidade
3 - Painel Reúne Magistratura, CNJ, CNMP e Defensoria no Debate sobre Violência Doméstica
Veja algumas fotos do seminário:
https://www.flickr.com/photos/abfp/albums/72177720315348332