GESTÃO DE PESSOAS E EFICIÊNCIA NA ARRECADAÇÃO PERMEIAM GESTÃO PÚBLICA EFICAZ
Durante o
segundo dia de programação do II Congresso Nacional de Gestão Pública foi
realizado o painel “Reforma Administrativa, o que esperar?”. Foram expositores
o consultor legislativo do Senado e um dos integrantes da Comissão Científica
do evento, Rafael Camara e o procurador do estado do Rio Grande do Norte,
Carlos Frederico Martins, com mediação conduzida pelo deputado distrital
Eduardo Pedrosa (União). Enquanto Camara tratou da necessidade de melhorar o
perfil arrecadador dos Estados e municípios, Martins se dedicou a apontar a
necessidade de se rever a gestão de pessoas no serviço público, em busca da
eficiência da administração pública.
Rafael
Camara ponderou aos presentes, tanto no espaço físico como no online, que dois
pilares são fundamentais na gestão pública: a qualidade do gasto e a qualidade
da arrecadação. A gestão será melhor ao passo que conseguir entregar mais
serviços ao menor custo possível. “Isso não é economizar dinheiro, mas
maximizar a prestação do serviço”, explicou.
O consultor
legislativo ressalta que a qualidade da arrecadação é importante para romper a
dependência existente, principalmente de municípios, dos recursos provenientes
dos estados e da União. Destacou uma ferramenta em vigor há quatro anos que se
mostrou efetiva para a recuperação dos créditos considerados “podres”: a
transação tributária. Sancionada em 2020, a medida se mostra mais eficaz que a
execução fiscal para receber tributos inscritos na dívida ativa.
“A
transação tributária é um novo jeito de parcelar tributo. O parcelamento e
desconto dependem da realidade do contribuinte. Quem tem mais dificuldade, tem
desconto maior, parcelamento alargado. Quem tem menos dificuldade, possui menos
benefícios. É um instrumento perene, não tem janela de tempo para adesão”,
informou Camara.
Para
ilustrar a efetividade da medida, Camara trouxe dados publicados pelo Jornal
Folha de São Paulo que mostram que a Advocacia Geral da União (AGU) recuperou
R$ 62,7 bilhões. E metade desse montante foi oriundo da transação tributária.
Embora se
mostre efetivo, poucos estados adotaram esse modelo já executado pela União. Os
municípios, menos ainda. Camara destaca que esse mecanismo exige determinada
estrutura, que pode não ser atrativa para cidades de pequeno porte. Mas pontua
que estados e municípios de médio e grande porte podem ser bastante
beneficiados com a medida.
A maioria
dos estados e municípios ainda lidam com a execução fiscal, que se mostra
ineficiente. Camara explanou que hoje a cada 100 processos de execução fiscal,
apenas 12 são encerrados.
“Um terço
de todos os processos que tramitam no Judiciário são de execução fiscal. É um
instituto que gasta muito recurso público e tem pouquíssimo resultado. A União
recupera em média 15,8% do que cobra, os estados 0,61% e os municípios 2%. Se
os estados saíssem do 0,61% e fossem para 2,5% teriam R$ 21 bilhões a mais para
executar políticas públicas”, disse.
Uma saída encontrada
pelo Brasil para superar essa dificuldade foi o REFIS, sistema de parcelamento
especial, mas que segundo Camara se mostra ineficaz por “estimular a empresa a
não pagar tributos”, uma vez que todo contribuinte tem direito, desconsidera as
diferentes realidades de cada contribuinte e mantém desconto uniforme, mesmo
que a empresa não mereça ser beneficiada.
Efunção
dessas distorções é que nasce a transação tributária. Ela é aplicada apenas
para dívidas irrecuperáveis. Esgotam-se antes todos os mecanismos antes de
lançar da transação. Ela pode oferecer desconto de até 70%, parcelamento de até
145 meses, com desconto de até 10% dos juros, multas e encargos, permite a
regularização do contribuinte, pode usar precatório para saldar a dívida, pode
usar prejuízo final e abater no valor da dívida e pode ser parcial.
“A transação
tributária busca o equilíbrio entre a preservação da empresa e o pagamento dos
tributos. Prevê a entrega voluntária de informações sigilosas. É uma ferramenta
de conformidade e não de prevenção de litígio. Ela só é adotada no insucesso
dos meios ordinários de cobrança. Demonstração que, no caso concreto, é a
medida mais vantajosa para o interesse público. Pode ser considerada a UTI. O
paciente está quase morrendo. É a última tentativa de recuperar o crédito. A perspectiva
de cobrança é tão baixa, que damos esse nível de desconto”.
Camara
reitera que diferente do REFIS, a transação tratar cada contribuinte conforme o
seu perfil. Aqueles que tem capacidade de pagamento A, não terá os mesmos
benefícios que aqueles que possuem capacidade de pagamento D.
Para adotar
a transação tributária, existe um passo a passo que deve ser observado.
Primeiro é preciso fazer um diagnóstico da dívida ativa, a expectativa de
arrecadação e os custos de sistema. Na maior parte dos casos, o custo-benefício
compensa, segundo Camara. A exceção é para o município muito pequeno.
Ele
ressalta que essa medida melhora a arrecadação e não traz nenhum tipo de
impacto negativo à popularidade do gestor. A partir da elaboração do ato
normativo, da criação do manual para os servidores adotarem, é preciso
desenvolver um sistema de tecnologia da informação e treinar a equipe para
colocar a medida em prática.
“Queremos demonstrar
o importante impacto, a relevância em termos de gestão fiscal que é a transação
tributária. É um instrumento novíssimo, que a maioria dos estados nem tem
ainda, os municípios muito menos e que tem um potencial enorme de melhorar a
gestão pública. Cobrar bem o tributo não é opção do gestor, mas uma obrigação.
É um caminho de justiça tributária, de cobrar mais de quem tem mais condições e
não cobrar ou cobrar menos de quem não tem. Não dá para mendigar recursos na
esfera federal. É possível melhorar muito a gestão fiscal de estados e
municípios”, observou Camara.
Reforma no
serviço público
Segundo
expositor no painel “Reforma Administrativa, o que esperar?”, o procurador do
Estado do Rio Grande do Norte, Carlos Frederico Martins defendeu a necessidade
de olhar para o problema instalado no funcionalismo público brasileiro, que
prejudica a eficiência da gestão pública: a falta de punição aos maus
servidores públicos.
O
procurador pondera que a reforma administrativa, realizada em 1998, previa o
acompanhamento do desempenho do servidor, mas por ausência de uma lei
complementar, essa medida nunca se efetivou.
“A reforma
previu uma consequência gravíssima. O servidor que não atua a contento, pode
perder seu cargo, vir a ser demitido. Essa era a principal alteração de 1998. O
artigo 41 possibilidade a perda do cargo mediante avaliação periódica de
desempenho. O que é isso senão retirar do serviço público o servidor que não
entrega qualidade, desempenho. A norma existe há mais de 25 anos, mas a avaliação
dependia de uma lei complementar nunca editada pelo Congresso”, explicou
Martins.
O
procurador destacou que a ausência da discussão das consequências do mau
desempenho gera prejuízos. Conforme dados da Controladoria Geral da União, em
2020 7.600 servidores foram expulsos do serviço público, mas nenhum por mau
desempenho. “Hoje as demissões chegam a 10 mil e a maioria são por atos de
corrupção, nenhuma delas é por mau desempenho. Na iniciativa privada, 34% das
demissões são originadas por percepção de ineficiência. Seria o poder público
supereficiente na contratação de pessoas sempre? O problema é que o serviço
público não premia os servidores eficientes e não pune os ineficientes”,
ponderou o procurador.
Martins
observou que essa é uma prática danosa, uma vez que a recompensa do bom
servidor é receber mais trabalho e cobrança, enquanto quem trabalha mal,
trabalha menos. “Prefere não incomodar o servidor ruim. Essa mensagem é muito
ruim, uma vez que cultua o desestímulo, privilegia a mediocridade, em
detrimento da entrega e da qualidade”.
O
procurador considera que é esse tipo de comportamento no serviço público que
faz com que a opinião pública critique a categoria, visto que percebe a falta
de qualidade na prestação do serviço.
“O servidor
público é visto como uma casta privilegiada, que não faz jus aos direitos e ao
salário que recebe. Cria uma sensação de nós contra eles. A população é
explorada, o servidor é beneficiado sem justificativa. Falta qualidade na
prestação do serviço público. Se houvesse mais entrega, o povo reconheceria.
Essa crítica surge pela sensação de injustiça entre o que é entregue e o que é
recebido. Precisamos enfrentar essa questão. A resistência em colocar o dedo na
ferida, em enfrentar esse problema abre margem para discussões mais radicais,
como o fim da estabilidade tão importante para a autonomia e segurança jurídica
para o servidor que desempenha bem o trabalho. O que alimenta isso é o mau
servidor, que recebe sem entregar o que se espera e não sofre nenhuma
penalidade”.
Martins
exemplifica que estados como Austrália, Reino Unido, Canadá e Inglaterra já
adotam a avaliação por desempenho do servidor. Justifica que quando esse
mecanismo é adotado, a primeira medida não é a demissão. Antes
De chegar a
esse ponto mais extremo, existe treinamento, aconselhamento, transferência de
setor, rebaixamento de posição e até mesmo corte de salário.
“No Brasil hoje algumas amarras impedem esse tipo de medida. Existem garantias e por isso precisamos debater esse tema tão sensível e encontrar um equilíbrio na proposta. Temos por exemplo a irredutibilidade da remuneração. O ganho só aumenta, não cai e isso gera acomodação. Tínhamos que colocar parte como irredutível e parte vinculada ao desempenho. Isso deve ser sério. É necessário que o servidor de melhor desempenho seja premiado. Aqui temos só promoção, não tem rebaixamento”.
O
procurador encerrou sua explanação dizendo que quanto melhor for o desempenho
do servidor público, melhor será o serviço público, que é feito por pessoas.
Quanto mais elas estejam comprometidas com a excelência, melhores os resultados
da gestão pública.
“O corporativismo
não é a solução. Precisamos ser justos, honestos. Somos servidores e estamos
para servir e entregar o serviço público. Não temos direito adquirido à
remuneração. Temos que servir para fazer jus aos benefícios”.
O II
Congresso Nacional de Gestão Pública é uma realização da Academia Brasileira de
Formação e Pesquisa (ABFP). A coordenação científica do evento é feita pelo
ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Douglas Alencar Rodrigues e
pelos consultores legislativos do Senado Federal Rafael Camara e João Trindade.
O intuito
do espaço de discussão é provocar a reflexão sobre as melhores práticas em
busca de uma gestão pública de excelência e as principais barreiras que ainda
precisam ser superadas nesse caminho.
Jornalista: Mauro Camargo /Michely Figueiredo