PAINEL REÚNE MAGISTRATURA, CNJ, CNMP E DEFENSORIA NO DEBATE SOBRE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
As políticas públicas de combate aos crimes de violência
doméstica na perspectiva de gênero foram tema de um dos painéis que compuseram
a programação do Seminário “Violência doméstica na perspectiva de gênero e
políticas públicas”. Os debates foram mediados pela defensora pública geral de
Mato Grosso Maria Luziane Ribeiro de Castro e os expositores foram a ministra
do Tribunal Superior do Trabalho, Morgana Richa, a juíza de Direito de São
Paulo e representante do Conselho Nacional de Justiça, Maria Domitila Prado
Manssur, o secretário geral do Conselho Nacional do Ministério Público, Carlos
Vinícius Alves Ribeiro e a promotora de Justiça do Ministério Público de São
Paulo, Fabíola Sucasas.
O Seminário foi uma realização da Assembleia Legislativa de
Mato Grosso em parceria com a Academia Brasileira de Formação e Pesquisa e teve
como intuito provocar a reflexão sobre que pontos devem avançar no combate à
violência doméstica contra mulheres e a desigualdade de gênero que ainda assola
a sociedade mato-grossense. O encontro ocorreu no Teatro Zulmira Canavarros, no
último dia 8.
Para a ministra do Tribunal Superior do Trabalho, a
violência doméstica está estruturada em um tripé formado por agressor, a
condição de vítima da mulher e o aspecto cultural. Para ter êxito no combate à
violência, é preciso que frentes de trabalho atuem sobre esses diferentes
pontos.
Morgana Richa ressalta que política pública pensada para
reverter essa realidade não deve ser considerada uma ação isolada, mas sim um
programa que necessita de ciclos e etapas, requerendo estudo para ser pensada e
implementada com eficácia. A ministra destaca o papel do Judiciário nesse
processo.
“O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com a emenda
constitucional de 2004 e a Lei Maria da Penha de 2006, evidencia a importância
de políticas públicas judiciais na questão da violência doméstica. O CNJ
normatiza e recomenda práticas que contribuem para o tratamento adequado da
violência doméstica, demonstrando a capacidade do Judiciário de atuar de forma
transformadora. É fundamental desmantelar a cultura patriarcal e promover a
igualdade de gênero como um direito humano, superando estereótipos e comportamentos
naturalizados. Os avanços são evidentes, e a sociedade, cada vez mais, coloca
limites a comportamentos machistas anteriormente tolerados. A meta é contribuir
para a construção de um cenário onde todos os atores envolvidos na luta contra
a violência doméstica atuem de maneira coordenada e proativa, buscando soluções
eficazes”.
Outro integrante do painel, o secretário geral do Conselho
Nacional do Ministério Público, Carlos Vinícius Alves Ribeiro, destacou que a
instituição que representa tem se dedicado a estudos, debates, capacitações e a
produção de atos normativos voltados para a conscientização e equidade de
gênero. Entre as iniciativas se destacam o sistema de cadastro nacional de
feminicídios e a política nacional de incentivo à participação feminina no
mercado de trabalho.
“A atividade normativa do Conselho busca estruturar dados
confiáveis para fundamentar políticas públicas efetivas de equidade de gênero.
A recente pesquisa divulgada oferece um panorama detalhado do Ministério
Público brasileiro, permitindo uma análise crítica da representatividade
feminina na instituição”, disse.
Ribeiro chamou a atenção para a falta de representatividade
feminina no Ministério Público de Mato Grosso. No estado, nunca houve uma
procuradora geral de Justiça. No órgão, 60% são homens e 39% são mulheres.
Desde 1988, uma única mulher foi corregedora no Ministério Público de Mato
Grosso. “Aqui é um dos muitos lugares onde precisamos avançar”, destacou.
“É crucial mencionar a importância de adotar a perspectiva
de gênero em todas as dimensões de atuação do Ministério Público. A violência
doméstica compõe um complexo de realidades de desigualdade, que afetam diversos
aspectos da vida da vítima, desde a saúde até a economia. A intervenção do
Ministério Público não deve se limitar ao sistema de justiça, mas abranger
outras áreas, garantindo uma abordagem ampla e eficaz”, defendeu a promotora de
Justiça do Ministério Público de São Paulo, Fabíola Sucasas.
Para Sucasas, o Ministério Público tem o dever de mapear
áreas e orçamentos públicos, visando garantir a implementação de políticas
públicas com perspectiva de gênero. “Isso inclui a demanda por delegacias
especializadas no atendimento à mulher, disponíveis 24 horas por dia, e por um
atendimento qualificado nas áreas de assistência social e habitação. Ressalto a
importância de coletar dados precisos para embasar as ações do Ministério
Público e promover mudanças significativas”, salientou.
Protocolo de julgamento com perspectiva de gênero
Outra integrante do painel, a juíza do Tribunal de Justiça
de São Paulo e representante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Maria
Domitila Prado Manssur pontuou que o CNJ, em um trabalho conjunto com as
Justiças Estadual, Federal, do Trabalho, Eleitoral e Militar, elaborou o
protocolo de julgamento com perspectiva de gênero. Ele oferece diretrizes e
caminhos para que os magistrados atuem com perspectiva de gênero, alinhados aos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável números 5 e 16, da Organização das Nações
Unidas (ONU) que estabelecem a equidade de gênero e o acesso ao sistema de
justiça.
“É necessário que o espaço judicial seja um lugar onde as
mulheres possam trazer suas questões sobre violência e recebam um julgamento
justo, que afaste estereótipos e promova a isonomia de tratamento. A violência
contra a mulher não é algo restrito; todas podem ser vítimas, independentemente
de sua origem, classe social ou nível de instrução. Compartilho minha
preocupação e questionamentos, que me afligem enquanto juíza, sobre se os
objetivos da jurisdição estão sendo alcançados e se os princípios constitucionais
de proteção e defesa dos direitos fundamentais estão sendo aplicados. Como
magistrada do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e representando o CNJ,
questiono se realmente estamos permitindo o acesso dessas mulheres ao sistema
de justiça”.
Manssur ressaltou a triste estatística que mostra que o
Brasil no ano passado registrou 1.463 feminicídios, o maior índice dos últimos
9 anos.
“A necessidade de aplicar o protocolo de julgamento com
perspectiva de gênero não se restringe apenas às decisões, mas se estende à
conduta do magistrado na condução das audiências e no tratamento das vítimas.
Este protocolo reconhece a vulnerabilidade das mulheres em situação de
violência e enfatiza a importância da palavra da vítima, muitas vezes a única
prova preponderante no julgamento de crimes contra a sexualidade”, recordou.
A magistrada ponderou que ao criar o protocolo de julgamento
com perspectiva de gênero, o CNJ reconheceu a necessidade de um tratamento
diferenciado em razão de gênero no Judiciário. “Por isso, é crucial atentarmos
às diretrizes desse documento para promover a correta representação da vítima,
assegurando o direito à reparação de danos e evitando qualquer forma de
violência judicial. Recomendo enfaticamente o protocolo de julgamento com
perspectiva de gênero como política pública de efeito transformador. Este pode
realmente discernir situações em solo judicial e aplicar justiça de forma ampla
e equitativa. Devemos nos capacitar e compreender as diversidades do protocolo
para auxiliar as vítimas que conseguiram chegar ao solo Judiciário”.
Perspectiva de avanço
Embora o cenário ainda pareça desolador, a esperança é um
traço marcante nos atores que discutem a violência doméstica e de gênero contra
mulheres.
“É fundamental que trabalhemos juntos, sem radicalismos,
para promover um ambiente onde todos tenham o direito de ser quem são,
respeitando a pluralidade e incentivando a cooperação mútua”, orientou Carlos
Vinícius Alves Ribeiro.
“’A civilização de uma sociedade se mede pelo grau de
liberdade da mulher’. Esse pensamento
ressalta a importância de continuarmos a lutar por uma sociedade onde a
violência contra a mulher seja inaceitável e as mulheres possam viver
livremente e com dignidade”, ponderou Morgana Richa
“Mesmo em situações de violência e sofrimento, devemos
manter a esperança de dias melhores, promovendo ações que garantam não apenas a
vida, mas uma vida digna para todas as mulheres”, asseverou Sucasas, defendendo
a plena aplicação da Lei Maria da Penha.
Jornalistas: Mauro Camargo/ Michely Figueiredo
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2 - Eliminar Distância entre Legislação e Realidade
3 - Painel Reúne Magistratura, CNJ, CNMP e Defensoria no Debate sobre Violência Doméstica
Veja algumas fotos do seminário:
https://www.flickr.com/photos/abfp/albums/72177720315348332